Rita Santana nasceu em Ilhéus. É atriz, escritora e professora. Em 2004 ganha o Braskem de Cultura e Arte para autores inéditos com o livro de contos Tramela. Em 2006, Tratado das Veias (poesia) é publicado pelo selo Letras da Bahia. Publica Alforrias (poesia) em 2012, pela Editus. Em 2019 publica Cortesanias (poesia), pela Caramurê, e participa do Festival Internacional de Poesia de Buenos Aires.
As Comedoras de Batatas
Para Vincent Van Gogh
A colheita das batatas,
Casas perderam os telhados.
Eu agonizo por temer intervenções - olivas! -
Em todo o sonho tenso do meu País.
Negros morrem linchados nas esquinas do Brasil.
A Pororoca morreu - de banzo!
Um tufão - de saudades - atinge a China.
E desacata a harmonia dos pardais,
Abrasa o amarelo encardido dos canários,
Provoca desalinho no voo das andorinhas,
Torna-me uma pietà preta a chorar
Seus filhos mortos!
Em dias de chuva, desmaio.
Enquanto tu te esquivas de mim
E eliminas as marcas dos meus avanços
Sobre o solo fértil da Pátria!
Adivinhas o abandono do porvir:
Deixo-te! Amaldiçoo-te!
Deixo contigo a abnegada e a de mutismos.
Deixo a amorosa e parto!
Cozinho batatas! Sirvo-as sôfregas àqueles
Que dividem o pão comigo!
Como batatas com meus companheiros,
Como batatas com meus camaradas
Como batatas com outras escribas:
- aquelas que também plantam.
Há outras, mas estão - alhures- do outro lado do front!
São donas de vastas terras improdutivas.
Comendo a poesia dos carvoeiros.
Aqueles que dividem o pão com o pastor holandês,
Cujos deuses são o transtorno dos girassóis,
E a convulsão de uma noite estrelada.
Autorretrato I
Sou uma Persona que o espelho não reflete!
Trago os olhos arregalados e a alma exposta.
Ainda de mãos dadas com a professora
Do jardim de infância,
Vera Varanda,
Sei que os desafios serão de imensidão e inteireza.
Assemelho-me aos manguezais de raízes expostas.
Rasgos cortam a minha pele em escarificações
Deixadas por ancestralidades que nunca emudecem em mim.
Logo, há escaras em minha memória que sonha.
Esfolo-me todos os dias a fim de penetrar verdades
Submersas em minha preta pele.
Descobrir quantas me habitam,
Quantas sobrevivem ao tirar das vendas,
Quantas resistem à queda do abismo,
Quantas ainda enfrentam Hidras,
Quantas me restam do que fui e do que sou.
Eis-me nua pelas ruas de Ilhéus,
Cruzando fronteiras da América Latina,
Perdida atravessando o Oceano Índico,
Onde cismo palavras e colho amores-perfeitos.
Sou uma Dália atordoada, desidratada.
Desbravo a vida e rumo em direção aos desagravos.
Nada acalma o meu desejo de construir Existência.
Estou aqui, entre óleos e aromas,
Testemunhei a morte das Orquídeas,
E a despedida do último Outono.
Moro numa clarabóia, lugar do imponderável.
Desintegro-me a cada Poema!
Magma
Para Lima Barreto
Tenho havido entre os Obscuros,
Manejado ossos em noites de eclipse,
Vestido rubro e penhorado pérolas,
Pois desejo penetrar tua Memória,
Desvendar teus pensamentos.
Por fim, olvidar teu nome e tua sombra,
Que trafegam sobre meus escritos.
Descubro tonalidades de Matisse sobre a minha pele.
Afasto-me das plêiades,
Cubro meu rosto com o flâmeo das núpcias.
Não sei quem sou agora,
Após a passagem das embarcações.
Procuro-me entre os náufragos,
Entre os desterrados no Cemitério dos Vivos.
Foste de mim, tantas vezes!
Pressinto a fome dos abismos,
O temor que consome vísceras
E aniquila quereres.
O absinto proclama risos em minha cama.
Sinto o pavor recôndito
Nas copas centenárias das árvores,
Na ancila anciã das gravuras,
Na proximidade de maio,
Na fortuidade das chuvas matinais,
No alvoroço das flores de abril.
Deusas, atinais sobre meu Destino?!
Pereço da fome dos séculos,
Rutila em mim a lava cadente do Universo.
Pertenço às mitologias ágrafas,
Aguardo nas águas o meu retorno.
Debruça-se sobre mim a sombra de espectros
Que já não atinge minha alegria.
Agonizo entre granitos, sonatas e morro todos os dias.
Na minha aldeia, chamam-me Magma!
Não sei quem sou.
Conversa amorosa com Waly
“Convive-se com uma criatura sem imaginar sequer de que reino provém.” (Waly Salomão, 318)
Provenho da imensidão dos Ilhéus,
Sou uma quilombola do Engenho de Santana,
Onde houve a rebelião das missivas!
Daí, talvez, uma ligação íntima com algodões.
Nasci em terras grapiúnas e de lá parti para outras capitanias.
Decidi exercer a Existência sobre a Terra,
Como Artista!
Por isso, pinto telas com pigmentos que colho
Em solos diversos, modelo cerâmicas
E cozo o barro na temperatura certa; canto e danço:
Sou uma Atriz!
Disposta a fingimentos de Poeta!
Difícil decifrar as tantas que me habitam
E aquelas que ainda serei, no prosseguir das cítaras.
Ergui minha Casa do Sol em Catu de Abrantes.
Desde então, uma escritora toma-me por tempo integral,
Pinta minhas paredes e impõe leituras,
Obstinações com o trabalho, labor de operária: vivo exausta!
Desde então, uso da minha pena para expressar o inominável.
Pastora silenciosa que precisa de terras
Para apascentar a rebeldia do rebanho de ideias.
Percorro o Sertão e a aridez da Caatinga,
Como se estivesse em casa!
Acanho-me diante da beleza dos cactos.
Plantaria morada em Iramaia,
Apenas para respirar a vastidão daquela terra!
Alguma coisa em mim permanece lá.
Mas é do Mar a minha rudeza e meus afagos,
Vem da Baía do Pontal essa mania de inundação
Trazida naqueles pesadelos da infância, sempre com o meu Pai!
Uma impudência diante dos desafios.
Uma pegada itabirana nos meus versos, vem de Drummond!
Habito o Silêncio e a melodia das Sonatas,
Sinfonias permanentes movem meu corpo,
Minha Língua é atravessada pelo ritmo das Estrelas.
Não tenho hábitos de adaptação.
Sou das insanidades, do Desejo.
Frequento o voo das andorinhas e capto a perfeição,
O deslocamento entre morte, precipício e humor.
Aproprio-me do espanto, das agonias.
Hoje, sou também uma funcionária pública.
Ilhéus é apenas uma fotografia na parede.
Mas como dói!
Dos Mistérios Imperativos
A fim de entendimentos,
Inundas meu corpo de orgias e rituais.
Observa a impudência das begônias
E a cordura das rosas:
A precisão imperará sobre tuas mãos,
E se fará sabedoria no tempo da brusquidão
E no levante das gentilezas.
Vigia a erupção das avencas,
E a quietude que também é adubo
Para o seu esplendor.
Nada em mim perdura na sofreguidão:
Careço de palavras e de mutismos.
Não sufocar as raízes, nem a imersão das vontades.
A vida perde-se, soterram-se os desejos.
O trato é o mesmo: observâncias
Do que em mim é interno, é terra.
Húmus onde desatino gozo,
Onde tudo é Sacralidade e impureza.
Desde que aprendi a plantar cores no quintal,
Vivo assim, desintegrada da razão.
4 comentários:
Quando comecei a escrever,também comecei a ler, contudo não aprendi a ler tão rápido, e talvez ainda não o saiba. Quis como todo poeta escrever versos como Castro Alves, logo percebi que aquele vocabulário escorregava muito da minha realidade. Minha defesa era desprezar os poetas que escreviam com tamanha elegância, e o fiz bem...sabia pontuar a falta de vida no poemas e o excesso de "rebuscadismo".
Lendo Rita Santana, pude perceber que aprendi a ler poemas elegantes e cheios de vida por dentro. Rita sinto pulsar de dentro seus poemas, e arisco dizer que são fortes... Minha leitura perpassa pela pessoa, pelo seu protagonismo. Parabéns pela tua pessoa, tua poesia.
Grato por aceitar o convite.
Meu respeito e admiração , a essa grande poeta Rita Santana.
Poesias que desnudam
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