31.7.20

21 de janeiro. anotações.

p/ jorge augusto

"mantenha a luz de dentro acesa"
viajas entre vidros e pontos cegos, não se esqueça
o crime é vil e, se não te veem, podem pedir sua cabeça
homem negro, 44
coração rente ao asfalto
corre dentro de si, fora do carro
amador que mal amou
sabe o sonho e sabe o horror
a noite é quente e o sangue sente
o gosto da bocada: 12 meninos mortos na quadra
o polícia, firme, afirma: armas promovem a paz
pá de cal sobre o caos. tudo é risível, visível
um flanelinha faz e desfaz
faça de conta: faca de ponta agora é flor
fluorescente a cor: era o motor da luz
moto-contínuo do destino onde a cidade rui
ETs nos dão tchau no rol do hospital
"na contorno os carros correm"
estátuas nascem e morrem
cravos feridos, crack, perigos
um meninóia que se perdeu
sob cintos, desprotegidos você e eu
mãe, filho e mulher no banco de trás
mais um dia que não se vai

26.7.20

porta poeta, na estante:

JOBER PASCOAL SOUZA BRITO

 Mestre em Estudo de Linguagens pela UNEB/PPGEL, doutorando em Literatura e Cultura pela UFBA/PPGLITCULT, licenciado e bacharel em Letras Vernáculas pela UFBA, lançou recentemente, pela EDUNEB, o livro “Encruzilhadas no coração de Shirley”, como uma das dobras de sua dissertação de Mestrado. Encontra-se na expectativa do lançamento de seu segundo livro, Ossuário da Casa Adormecida, desta vez, de poesia, premiado pela Editora Editus através do Edital Sosígenes Costa. 


SALA DE EX-VOTOS

Passei a vida enxugando as lágrimas
Que não vazavam e entendendo que a vida
Era isso mesmo, um guardar de lágrimas.

Passei a vida toda levando a sério coisas tolas
Lendo os livros errados, escrevendo o precipício
E acreditando que Deus no céu e o Diabo na terra
E tudo afinal estava resolvido, desde o gênesis,
E que isso era a solução de minhas ardências
E então eu me enchia de rosários e preces,
E então eu me enchia de folhas e unguentos
E então eu me enchia de orgulho e pecado

Para que Deus me perdoasse, que me livrasse de mim,
Dos meus desejos inconfessos, da minha infâmia,
De minha culpa, minha tão grande culpa.

E agora, crescido, eu percebo que fiz errado a soma
Das contas do rosário. Que o pecado, que a luxúria,
Que a lascívia, que todo esse desejo apressado
É o melhor que guardo em mim.

Eu preciso aprender a ser mau em doses epilépticas,
Senão me crucifico de bondades numa árvore seca
Dessas em que colocaram lado a lado os dois ladrões.

Fui parido no jardim das inocências, me colocaram em berço
De ouro e me protegeram das garras dos bandidos da noite.
Agora eu berro por uma palavra de ingratidão, que me cuspam
Na cara e digam indecências. E blasfemem nesse amor que me
Deram como chaga cancerosa. E lastimem a minha presença.

É na falta pura do amor que sobressai a elegância dos maus.
É na escola do mundo ao avesso que se lhe rende alguma lição
De como se livrar dos assaltos, de como se limpar da solidão,
De como contar vantagens sobre todas as indecências. E a maior
De todas as indecências, morrer na lama como convém aos bêbados e poetas.



MEU CÃO ANDALUZ
Para os visitantes do Cine Astor

Um risco solto no abismo e uma
Rápida carícia a regalar os olhos.

(Ninguém nos vê. Todos atentos).

As mãos sujas, o ácido néctar.
As abelhas comem como aves.

O cheiro devindo, afogando o escuro.

As bocas usadas, línguas como mares:
Explodem legendas no cinema mudo.



AQUELE UM

Quando aquele bicho comeu
O último frasco das minhas vergonhas

Aquele bicho era um grande cofre
Dentro de minhas entranhas e eu
Não sabia muito de mim e me
Prestava a ser sem ser nada nem ninguém

Aquele bicho não era bicho: era uma coisa.
Aquela coisa me chamava pelo nome e
Eu lhe atendia feito um capacho.

Vestia suas roupas sujas.
Pendurava a velha cara na parede
E saía à rua sem nenhuma herança.

Aquele bicho, aquela coisa, eram apenas
Duas apagadas fotografias que deixei
Pregadas no espelho antigo da casa.
Quando abro a imagem ainda sinto
Aquele hálito de desejo me consumindo.



UM GRITO PERDIDO NO ESCURO

Escrevo porque não sei assobiar canção fina,
Dessa bonita, arriada, que passa ponte, passa
Riacho e encurva a beiragem rasante. Cantador
Nenhum alcança num martelo agalopado.

Escrevo porque aprendi a penhorar, em palavra
Dura, o gole seco: nós-de-arame, livros de poeira.

Escrevo porque minha casa só tem
Um vão, as paredes cruas de cimento.

A lasca do reboco, cavada em folha de flandres.
A talha, manchada de água verde e limo: o exílio
Antigo da primeira morada onde tudo buscamos,
Nunca sairemos: os mares já foram navegados.




EXÍLIO

Tudo é exílio na minha terra

A velha infância, imagem
Primeira de meninos brincando
No solar da casa velha.

E este mesmo exílio,
No risco de sombras
Perdidas, enfeitando
O ser pequeno entre
As grossas paredes.

Um corredor de silêncios
soando na velha mobília:

- A talha de barro represando
A água fria colhida na fonte.

- A cristaleira quieta, as
Taças de vidro e poeira,
Os goles secos de vinho.

Tudo é exílio na minha terra.

Dela me vou andrajoso como
Um cão mal coberto de peles,
Bramindo as lembranças tolas
Num mundo cheio de sombras.





20.7.20

dia do amigo

dos provérbios para amizade
me fez pensar dos amigos
quantos por mim foram feridos
outros tantos simplesmente queridos
quantos se firmou de verdade
quantos ja procurei abrigo

cheguei numa identidade
que não preciso questionar
se amigo ou inimigo.
hoje sei que sou quem desperto
e meu despertar
nele as vezes tropeço
por isso apenas peço
seu perdão meu inimigo
por não saber torná-lo amigo.

quanto aos meus verdadeiros
amigos
segue mais um poema
para minha coleção.

Carlos Arouca

14.7.20

diamante verdadeiro

dedicado á Emily

talvez e por controvérsia
tudo que se fale de você
não te agrade...
talvez, e por isso mesmo
a tentativa de lhe agradar
seja frustrante

 todavia., não obstante
lhe agraciar perpassar
primeiro por te respeitar,
tua fronteira, tua permissão

assim sendo, lhe peço licença
to dentro

você merece o respeito
o direito de silêncio
e de calar...
mandar pro calabouço
quem lhe julga
quem finge te conhecer

as vezes parece q você
curte o por do sol, astronomia
e lua cheia
mas parece tudo tão careta,
 cansativo...

hoje é seu aniversário
muitos não deixam passar
despercebido
mas não lhe rabisca,
não lhe toca,
não lhe chacoalha.

você é muito querida
muito amada
 de forma q lhe abrem feridas
 lhe amargura

as vezes ser amada
não é a cura
é a sentença
é a esperança 
de ser simplesmente respeitada...

nada fora da casca de noz
nada noves fora
tua importância entre nós
é muito mais que os nós
que não desatamos a sós
é  tão grandiosa
por ser tão maravilhosa
tua existência
seu "eu"  tão familiar
porque sem você a família
jamais brilhará...

Carlos Arouca
13/07/2020

11.7.20

Filhos, não sou obrigada.




ninguém precisa ter filhos
para ser feliz
mas se é feliz
e por via tiver um filho
vai amar a mudança
não como se faltasse um pedaço
ou uma parte
ou uma perpetuação de si,
espécie

vai amá-lo
 porque filho é amor
incondicional ( desprendido do espaço-tempo ou causa)

a felicidade antes de ter filho
é completa.
após o filho é perplexa
é paradoxal
é como adentrar um buraco negro
só com as leis newtoniana.

ninguém precisa ter filhos
para ser feliz
se quer ter filhos 
para ser feliz 
e se completar,
vai sofrer.
filhos não é felicidade
não é completude
filho é outra viagem

arrisco em dizer
pela leitura rasa da sociedade
por esta cartilha
que filho é egoísmo
é pensar só em si
na imagem-semelhança
na prole
filho é verossímil
a tua verdade
tua cria, tua obra
tua ousadia

muitos carregam como estandartes
sem ao menos refletir
 tamanha responsabilidade.
quanto de si 
deve morrer-renascer 
para que os vícios
não os sufoquem
não os traumatizem

ninguém precisa ter filhos
basta que se cumpram
seus sonhos
sua sina
qualquer razão
 basta.
filho é outro compromisso
sem noção, é emoção.

Carlos Arouca
11/07/2020

8.7.20

apresentamos: porta poeta



Santiago Fontoura, nascido em Salvador-BA, publicou dois livros de poemas: Leitura neon-reciclada (organismo editora, 2014) e poemas para performance (Editora Patuá, 2018); um de crônicas: Anticarta de Dona Lúcia – crônicas da fatídica copa do mundo no Brasil (Amazon, 2014); e um de contos: Adote um maluco (Editora Mondrongo, 2017). Em janeiro de 2017, organizou com Daniela Galdino a revista organismo 2 (organismo editora). Assinou, por dois anos, o projeto Selfie Poesia (entrevistas com poetas), no Youtube.


 O mundo perto do fim

Todas as putas
são chutadas ladeira a baixo
e o que nos resta
é esta paisagem estática.
 
Uma cidade
que não respeita nem contempla
suas rameiras milenares
há-de ficar marcada por ruínas
eternamente rememoradas.
 
E não haverá hotel
com estrela suficiente
para dissipar tamanha desgraça.

Uma carta do futuro (não muito distante)
 
O amor já não frequenta canções rasteiras
(beijos e abraços
retirados das prateleiras)
porque, raro, o toque denuncia
a banalidade celebrada nos tempos idos.
 
A distância, outrora
sinônimo de indiferença,
se estabelece como uma
delicada forma de afeto.
 
De perto, há o deleite dos gestos:
o mínimo contato ganha contornos
de uma novidade sempre eterna.
 
A monotonia, ausente,
parece ter os dias contados.
 
E nos dicionários, a saudade é o verbete que nunca se encerra.




Uma carta do futuro (não muito distante)
 
 O amor já não frequenta canções rasteiras
(beijos e abraços
retirados das prateleiras)
porque, raro, o toque denuncia
a banalidade celebrada nos tempos idos.
 
A distância, outrora
sinônimo de indiferença,
se estabelece como uma
delicada forma de afeto.
 
De perto, há o deleite dos gestos:
o mínimo contato ganha contornos
de uma novidade sempre eterna.
 
A monotonia, ausente,
parece ter os dias contados.
 
E nos dicionários, a saudade é o verbete que nunca se encerra.

 


Comunhão

Somente as coisas ditas geram conflito:
os pratos para serem lavados,
o beijo sem paixão,
o elogio mal interpretado.
 
Os gestos, se sutis, convocam
desapego às ideias inflexíveis.
 
Já não ser o mesmo
e ainda assim ser inteiro
não parece tarefa das mais árduas
quando o desaforo
perde lugar para o afago.
 
Faz-se, então, presente
o medo gritante
de que seja efêmero
esse instante de paz – mero intervalo
para arquitetar nova estratégia de guerra. 




Luiz Melodia

 O poeta sempre é malandro:
 - se desliza sutil
por dentro de curvas messalinas
no fogo intenso de um amor perfeito
(efêmero por natureza);
- se não abre mão do verso
ousado, de rara destreza,
e sabe o quanto custa
ser inflexível quando
não há motivo algum
de parecer apresentável;
- se evita gritar impropérios
(versos roucos vomitados)
em plena praça
é porque mal aceita
a margem do papel;
- se digressivo no seu paladar
poético e insano
sonha explodir
num depósito qualquer
todas as mulheres feias do mundo.




Ímpeto religioso

A conveniente ideia
de que vivemos, ininterruptos,
em luta de classes
sempre cai por terra
se, cansado deste embate nefasto,
me convenço de que a vida
(trágica, complexa, contraditória)
é Judas traindo Cristo.
 
Nada dialética.
 


1.7.20

zarabatana



tive que perguntar como mula
ao senhor de gravata
se o suicida lê bula
pra saber que veneno mata.

praga de poeta é lança
registra na ata
voltei a ser criança
e a filosofia, ciência exata.

( adão cunha )
justo em meu tempo,
no colo ficam marcas de camiseta regata,
uma ausência de sol em quatro dedos de pele
e duas mãos na coxa por causa de uma bermuda, quando, sem furor, a nudez geral
poderia se mostrar.

em meu tempo, os óculos escuros
cozinham ovos-olhos
e todos os olhos se fecham
na primeira claridade.

bem na hora deu viver, as horas,
os dias e as semanas, que juntos
vão se sobrepondo e enxertando em mim
os anos, outro membro que ainda não nasceu,

um dia tomará parte num folclore americano.

(adão cunha)

Padecer no paraíso

Dedico este poema a Carlos Arouca (que acabou de se tornar pai)
 e a Tadeu Vinicius (que ainda não é):



Ter filho 
é padecer no paraíso,
aceitar o convite
e estar no constante 
ímpeto de recusá-lo, 
ganhar horas
de prazer e sentir a perda
do tempo no cansaço.

A linha tênue
entre o aviso repetitivo
e o tapa inevitável
denuncia 
que não é de agora
que se perdeu a fórmula certa 
para educá-lo.

A fralda, o livro,
o pão de cada dia
provam que, 
quando o filho
ainda não existia, 
dinheiro era capim
(e não este campo devastado).

Sorrir frente ao caos 
dos brinquedos, 
encontrar resposta
para todos os medos,
convencer-se da presença 
pontual do sossego.

Padecer no paraíso
é parecido 
com sentir-se inteiro
e somente nessa hora
ficar sabendo
que a vida era mistério
sem propósito
até antes 
da chegada do rebento.

[Santiago Fontoura]

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