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1.2.21

porta poeta:

Gonesa S. M. Gonçalves,  Autora do livro Cata- Ventos (2020). Licenciada em letras pela Universidade Federal da Bahia, estudante de arquivologia, bolsista projetos especiais e pesquisadora do Grupo de Pesquisa Rasuras (na mesma instituição). Residente na Bienal de Buenos Aires- Argentina(2019). Coordenadora do Projeto Literário Enegrescência. Possui publicações na Revista Organismo n° 5 e La Joven Parca. Nos livros: O diferencial da Favela (vol I e II) e Poéticas Periféricas: novas vozes da poesia soteropolitana.

Participou e foi umas das organizadoras dos livros Coletânea Literária Enegrescência (2016) e Vozes de Reexistência Juvenis: Presente! (2019). 



O escritor

 

Uma morte fria

sem alarde

Numa manhã de domingo chuvosa

 

talvez aneurisma

ou infarto

 

Estava em silêncio

a velha cadeira de balanço

que antes gemia como o peso do corpo

do animal amuado

 

velho burro

com o cinzeiro do lado

Relógio de aço cromado

no pulso gordo e peludo

 

Não houve gemidos

não foi hospitalizado

O diabo não fez curvas

fez jus ao comportamento do escolhido

E a sua face corajosa

impassível

 

tronco ereto

olhar intenso

velho defunto maldito

Ainda irão cantar no enterro

“Segura na mão de deus e vai”

 

 

 

Abcesso

 

 Maldito punhal

monstro fálico

Obelisco

Invasor maldito

Que apunhalou meu corpo

Numa manhã sombria

 

Maldita cepa

Degenerativa

cianose

que não me come as tripas

mas faz jorrar sangue da minha alma

todas as noites

 

 

 

O velório

 

Sol de meio dia ardendo na cara. Estava cansada da viagem longa. Suava. Só queria a sombra de uma árvore. Caminhava desengonçada pelo chão seco. Lembrou que vez em quando, sob a vegetação rasteira, as cobras corais passavam.

 Chegando no quintal. Sentou no banco de madeira improvisado que ficava logo a frente da varanda da casa. Levantou as vistas. Estava embaixo de um pé de tamarindo.  Algumas vagens quase secas no chão. Agachou-se e começou a catar. Pôs um punhado ao lado do banco, sentou -se sacudindo as pernas do alto e chupando o tamarindo.  O velho do lado observava. Olhou para ele meio atravessado. O tamarindo de final de época era tão ressecado como o seu rosto magro. Vagens secas, quase mortas.

Incomodado com a visita comilona, pergunta:

- E tu não veio ver o corpo?

 

 

 

E agora, mulher?

O casamento acabou

O boy sumiu

A cama já esfriou

E o seu dia amanhã é de trabalho

E agora, mulher?

Você que tinha teto

Arrotava fé

José queria comer

você botava mesa

Queria camisa de manga

Você passava

Seu final de semana

Era pra arrumar a casa

E agora mulher?

Não pode ir pro bar beber

E não pode nem xingar

Contar pra vizinha

Não pode

E agora, mulher?

Cadê a sua fé?

Seu conto de fadas?

Sua aliança de ouro?

E agora, mulher?

Cadê seu nariz em pé?

Sua voz altiva

Seu salto do domingo de igreja?

E agora, mulher?

Vai fazer a vingativa

Mas perdeu a briga

E agora, mulher

Enquanto você chora

José pensa na vida

Em algum final de festa

 

 

Há quantos subúrbios

vagarosos e cinzas

descansando no escuro

dessa minha alma vadia

 

vago,

vago é o tempo

e eu noturna

numa cidade distante

escondida em meu peito

vago por dentro

e cintilo na roupa

pura purpurina

e o sol

reluzente

explodindo da minha retina

denuncia a alegria

de ouvir na esquina lateral

o último samba

 

 

2 comentários:

Poeta de praça vazia disse...

Sentir os poemas de Gonesa é senti-la solta, capaz de abalar qualquer estrutura comedida. Gonesa não inventa nenhuma roda, mas desfaz toda uma engrenagem de poemas almofadados. Seus poemas são para um arrebatamento, quase apocalípticos...deve ter muito de salmos nessas palavras...e outros saltos.

nem sou critico, nem nada. Sou poeta e gosto dessas poesias.


Carlos Arouca

Unknown disse...

Que poemas! Pra lê e lê e lê e lê... adorei

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