Gonesa S. M. Gonçalves, Autora do livro Cata- Ventos (2020). Licenciada em letras
pela Universidade Federal da Bahia, estudante de arquivologia, bolsista
projetos especiais e pesquisadora do Grupo de Pesquisa Rasuras (na mesma
instituição). Residente na Bienal de Buenos Aires- Argentina(2019).
Coordenadora do Projeto Literário Enegrescência. Possui publicações na Revista
Organismo n° 5 e La Joven Parca. Nos livros: O diferencial da Favela (vol I e
II) e Poéticas Periféricas: novas vozes da poesia soteropolitana.
Participou e foi umas das organizadoras dos livros Coletânea
Literária Enegrescência (2016) e Vozes de Reexistência Juvenis: Presente!
(2019).
O escritor
Uma morte fria
sem alarde
Numa manhã de domingo chuvosa
talvez aneurisma
ou infarto
Estava em silêncio
a velha cadeira de balanço
que antes gemia como o peso do corpo
do animal amuado
velho burro
com o cinzeiro do lado
Relógio de aço cromado
no pulso gordo e peludo
Não houve gemidos
não foi hospitalizado
O diabo não fez curvas
fez jus ao comportamento do escolhido
E a sua face corajosa
impassível
tronco ereto
olhar intenso
velho defunto maldito
Ainda irão cantar no enterro
“Segura na mão de deus e vai”
Abcesso
monstro fálico
Obelisco
Invasor maldito
Que apunhalou meu corpo
Numa manhã sombria
Maldita cepa
Degenerativa
cianose
que não me come as tripas
mas faz jorrar sangue da minha alma
todas as noites
O velório
Sol de meio dia ardendo na cara. Estava cansada da viagem
longa. Suava. Só queria a sombra de uma árvore. Caminhava desengonçada pelo
chão seco. Lembrou que vez em quando, sob a vegetação rasteira, as cobras corais
passavam.
Chegando no quintal.
Sentou no banco de madeira improvisado que ficava logo a frente da varanda da
casa. Levantou as vistas. Estava embaixo de um pé de tamarindo. Algumas vagens quase secas no chão.
Agachou-se e começou a catar. Pôs um punhado ao lado do banco, sentou -se
sacudindo as pernas do alto e chupando o tamarindo. O velho do lado observava. Olhou para ele
meio atravessado. O tamarindo de final de época era tão ressecado como o seu
rosto magro. Vagens secas, quase mortas.
Incomodado com a visita comilona, pergunta:
- E tu não veio ver o corpo?
E agora, mulher?
O casamento acabou
O boy sumiu
A cama já esfriou
E o seu dia amanhã é de trabalho
E agora, mulher?
Você que tinha teto
Arrotava fé
José queria comer
você botava mesa
Queria camisa de manga
Você passava
Seu final de semana
Era pra arrumar a casa
E agora mulher?
Não pode ir pro bar beber
E não pode nem xingar
Contar pra vizinha
Não pode
E agora, mulher?
Cadê a sua fé?
Seu conto de fadas?
Sua aliança de ouro?
E agora, mulher?
Cadê seu nariz em pé?
Sua voz altiva
Seu salto do domingo de igreja?
E agora, mulher?
Vai fazer a vingativa
Mas perdeu a briga
E agora, mulher
Enquanto você chora
José pensa na vida
Em algum final de festa
Há quantos subúrbios
vagarosos e cinzas
descansando no escuro
dessa minha alma vadia
vago,
vago é o tempo
e eu noturna
numa cidade distante
escondida em meu peito
vago por dentro
e cintilo na roupa
pura purpurina
e o sol
reluzente
explodindo da minha retina
denuncia a alegria
de ouvir na esquina lateral
o último samba
2 comentários:
Sentir os poemas de Gonesa é senti-la solta, capaz de abalar qualquer estrutura comedida. Gonesa não inventa nenhuma roda, mas desfaz toda uma engrenagem de poemas almofadados. Seus poemas são para um arrebatamento, quase apocalípticos...deve ter muito de salmos nessas palavras...e outros saltos.
nem sou critico, nem nada. Sou poeta e gosto dessas poesias.
Carlos Arouca
Que poemas! Pra lê e lê e lê e lê... adorei
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