26.11.20

porta poeta, na estante:


 Kátia Borges é autora dos livros “De volta à caixa de abelhas” (As letras da Bahia, 2002), “Uma balada para Janis” (P55, 2009), “Ticket Zen” (Escrituras, 2010), “Escorpião Amarelo” (P55, 2012), “São Selvagem” (P55, 2014), “O exercício da distração” (Penalux, 2017) e “A teoria da felicidade” (Patuá, 2020). Tem poemas incluídos nas coletâneas “Roteiro da Poesia Brasileira, anos 2000” (Global, 2009), “Traversée d’Océans – Voix poétiques de Bretagne et de Bahia” (Éditions Lanore, 2012), “Autores Baianos, um Panorama” (P55, 2013) e na “Mini-Anthology of Brazilian Poetry” (Placitas: Malpais Rewiew, 2013).


O gourmet momentâneo


Margaret Atwood parece estar com frio

o modo como aperta o casaco preto na parte da frente

Amo seu nariz, seus pequenos olhos azuis

e aquele poema sobre o coração arrancado do peito

que lemos na aula de teoria da lírica

O papel amassado

passando de mão em mão como se fosse o órgão vivo.

 

 

 

 

 

 

A dor fantasma

  Tenho as mãos vazias

e horizontes perdidos.

Meu coração vai

onde a vista não alcança.

 

Meu coração,

treze caravelas,

não descobriu

país algum.

 

Meus dedos festejam

um braço invisível

e dores fantasmas,

esse vício:

agarrar-se às coisas.

 

Sinto o vazio espalmado

contra o vento que me cobra

ser possível,

uma pilhéria

de que os livros não dão conta.

 

 

 

Teu movimento

  Antes que te chame

o pelotão de fuzilamento
repara o pássaro
apara o dia.


Há um olhar que se derrama
lento sobre a vigia
e graciosidade no andar
do carcereiro.

Antes, sim, que chamem
o teu nome, anota
num papel ou na parede
certo verso de cimento.

Na argamassa firme

teu movimento

 

  

 

Caixa preta

  

Como quem rasga o peito e não discute

suturas para o peito aberto.

 

Pouco importa andar com o coração à mostra

os seios nus repartidos pelo esterno

 

fissura entre as costelas – a dor das tais fissuras

– que se tem quando se rasga o peito.

 

 

 

  

Pequena flor

  Meu apartamento, no 12º andar,

fica tão perto da varanda

do vizinho do outro prédio

que, se esticar o braço com jeito,

conseguirei regar suas plantas.

 

Escrevo sobre mim, essa lonjura,

e sobre você, pequena flor,

na solidão do sábado.

 

A vida é esse verde entre nós.

 

Talvez biólogos nos expliquem

a fluidez do amor, a essa altura.

Serei melhor se lançar água

e, dessa distância que penso segura,

salvar uma begônia.

2 comentários:

Poeta de praça vazia disse...

Fico de todo bobo quando Katia aceitou expor no blog. A proposta de expor os recém poetas na mesma prateleira que estão os renomados, os veteranos, e outros está dando certo. Ainda não soube divulgar o espaço, amador e amável da poesia contemporânea. Ainda tem muito de acontecer por aqui...

Essa poesia, essa elegância de Katia Borges... fico de todo bobo.

Poeta de praça vazia disse...

Selfie poesia
Kátia Borges

Ja a conheci poeta
Já a conheci no afeto
Na inquietude
Na atitude
Na lâmina

Não fiquei cabreiro
Fiquei empolgado
Nela tem uma vida,
Um sangue que pulsa ordenado
E linguisticamente correto

Uma oratória incrível
Me perdir no seu vocabulário
Mas não é do dicionário
O tal labirinto
É de como pode ser descrito
O fantástico
O improvável
O quase indescritível ímpeto

Havia uma Câmara no cenário
Ela é estrela, ela sabe existir
Ela é como nós
Só que com outros nós

Pensei na minha malandragem de poeta
De onde vim...
Ela veio de outras esquinas
Outras esquivas
Ali nocauteado
Compreendi, que se pode ser poeta
Em qualquer existir.

Carlos Arouca

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