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23.9.20

porta poeta, na estante:

 

alto de são João
 
a pedra abriu o céu na telha.
alinhou pupilas no chão.
deu pra imaginar, no mineral, a extensão da mão
de alguém.
 
o desespero era “quem
 
desejava tanto mal?”
aquelas veias colorindo unhas.
 
a chuva
ganhou mais tempo
de chuva.
 
o sol:
pilastra escorada
de luz.
 
 
  
 
divisor de fluxo
 
corrosivo degradê
dos percursos do corpo
e do sopro:
andar, correr, dançar,
pular.
 
quando, por fim, sinto-me
nas pernas
ajustado ao vento,
ao convênio com o equilíbrio.
 
hoje, mal possível,
sigo digno
 
chutando pedras.
 
 
 
 
  
aduana
 
nem pense em me tocar esta noite.
dormirei com os olhos no sonho de
igualíssimo cenário.
 
sempre aquela praia de entrada estreita
e onda enorme de velocidade congelada,
que nunca quebra em minha corrida de dobrar
lentamente os joelhos.
 
de repente, as mesmas ruas de casas com muros baixos
e plantas repousadas que completam as trepadeiras
( perco-me onde sempre estive ).
 
despertar deveria acontecer neste exato momento
do ataque da ave negra com cabeça de macaco.
 
mas não é bem assim. a ave não me devora
nem você me toca.
 
no sonho, tenho uma reserva de mim: um
que caminha por dentro, outro que me guia
por fora.
o de dentro, assusta-se com a noite que cai
repentinamente. o de fora assiste ao corpo que
se desloca.
e reza uma reza silenciosa. desconhecida dos deuses
e do seu abraço, que congela ondas e a ave sabota.
 
                                                                                        
 
 
 sala de espera
 
sobrou um entretanto de tempo no peito.
encrustou-se de rejeição e pele.
 
houve troca de olhares com fones
nos ouvidos, charme na face;
telas protegidas.
 
tranquilidade de choro ao confortar os fatos.
modelagem da lembrança com evidência
no semblante,
como quem entra em casa sozinho.
 
os pesadelos dessa noite terão
a deliciosa passagem de um beijo
 
de sonho em dias calmos.
 
 
 
sonhos flácidos
 
lembro de uma lágrima.
uma lágrima de menino
 
escapulindo no instante
da fotografia
3x4.
 
uma lágrima se propondo eterna
esfera líquida, apreendida como
numa invenção impressionista.
 
abre aspas os que
com lágrimas semeiam
com júbilo ceifarão fecha aspas
 
mas, para minha surpresa,
não saiu na foto
a lágrima.
escorreu, pulando
da ponta do queixo.
suicidou-se.
 
a lágrima, na foto,
é o rastro brilhante
na maçã do rosto.

9 comentários:

Poeta de praça vazia disse...

Sobre Adão Cunha, suspeito muito quando gosto do poeta poeta, fica então difícil falar do poeta escritor. É primavera, e posso dizer que o jardineiro que cuida bem das flores, merece os elogios pelo encanto das flores no jardim...e o mérito desse poeta estar em curtir esse jardim, essas flores, além de saber conduzir esse paisagismo de palavras.

muito obrigado poeta por aceitar o convite.

Unknown disse...

Valeu, poeta!

Eddye Kiske disse...

Alto de são João parece que tem a mesma mão que apedreja o meu telhado. Esse poema é quase uma porta. Parabéns 🥂☘️

Eddye Kiske disse...

Sonhos flácidos demostra o momento em que todo poeta capta o ato, magia poética, fonte de vida plena. Meu favorito 😍🔥

Marcos Peixe disse...

Belíssimos poemas de Adão! Um ótimo ritmo, linguagem simples e temas do nosso dia!

Marcos Peixe disse...

Ótimos poemas de Adão! Bom ritmo e temas do nosso dia/vida. Identificamo-nos!

Unknown disse...

Valeu, vc!

Unknown disse...

Obrigado, Eddy!

Unknown disse...

Fico feliz por isso, poeta! Abração

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