JOVINA SOUZA é
baiana e mora em Salvador Ba. É graduada em letras vernáculas/ a UFBA. Especialista
em Estudos literários/UFBA e mestra em Teoria e Crítica da literatura e da
cultura. Publicou o primeiro livro intitulado Agdá em 2012, o Caminho das estações/2018,
O amor não está/2019.Em breve lançará seu quarto livro, O levante da Fênix. Tem
participado de Feiras literárias e outros eventos de literatura. Seus poemas
são estudados em universidades tanto no Brasil como nos EUA.
SOU MULHER PRETA
Com narcisos
brancos e machos
e
seus espelhos, trazendo sombras para minha janela.
Sou uma mulher preta nessas rotas de consciências racistas liquefeitas
a parir humanidades esdrúxulas, disfarçadas lanças de mecenas,
ceifando crianças, mulheres e homens.
Neste reino de realidades cruas
fico forte é no abraço das pretas irmãs de onde sigo para
quebrar os espelhos dos narcisos,
resgatar conforto para o negro feminino e bálsamo para a
escuridão.
PRESENÇAS NA MINHA LETRA.
Sou mulher de pensar nas coisas para dizer o que está profundo,
o complexo que se faz simples para o engano insalubre.
Seguindo esse mastro me jogo no passado para devassar os artifícios
secretos, cobrindo os códigos que me levantam.
São
brotos que veio de África em diásporas, espalhou-se pelo mundo, alterando
línguas crenças e costumes,
criando contextos históricos, luxos e
deuses.
Parindo
um firmamento de estrelas negras a cada vírgula,a cada palavra do meu texto, cuja aventura é buscar contornos de rostos,
jeitos de sorrir, as mãos que modelaram o belo. Ervas para alegrar,
abrir os caminhos e curar. Nesse mosaico de belezas negadas, oprimidas, ainda
procuro meu nome no tronco do Baobá.
PREPARANDO O VOO
Não me satisfaz o silêncio.
Interessa-me a palavra funda
no acolhimento dos vivos,
dos que ficam e lutam.
olhos estão atentos nos dias,
nos encontros da vida sem guia,
onde a valentia preta pode anular
a violência que nos impõe o
cotidiano.
Não me apraz o medo nem a ironia
do clarão, cortando o que me liberta.
Desvio dos cortes e protejo meus
olhos
da claridade que cega.
O que me seduz é abrir os caminhos
para a noite escura que me acolhe
na sabedoria de Nanã.
É lá que minha alma dorme feliz
e acorda
pássaros da manhã.
TODOS ESTÃO MORTOS
Não chamo os santos, não
visito catedrais.
Trago a alma pagã para
frear os divinos,
manter o céu para os
justos. Não há tempo
para saber das almas. São
dezenas separadas
dos seus corpos todos os
dias.
Não ouvi seus versos ou
histórias de paixão,
não sei quem amou nem como
sonhou o paraíso
ou se lá descansam agora.
Nada sei desses alhures.
Procuro desviar da morte,
ir onde a vida é viço
e o colorido se levanta.
Anseio migrar das tardes
monótonas e angustiadas
de melodias
fúnebres.Fica-se contando o tempo
nos dedos. Antes de acabar
a primeira mão
findam vidas, o horizonte e
toda ordem crescente.
Essas tardes são longas.
É a ternura migrando dos
corações para nunca mais.
Meus desesperos são as
juras de amor que se revelam
no espelho dos cinismos,
nas indiferenças aos vivos,
alegorias das verdades dos
santos. Nada peço a eles.
Não há tempo para rezar
sobre milhões de corpos
e o triunfo dos seus
algozes.
Procuro quem tem carne
sobre os ossos e vive
encantado pelo amor que é
simpático ao sangue
vazando das nossas carnes.
Eu poeta me arrisco e vou
ao encontro marcado
com as mãos negras, milhões
delas fazendo vida!
E seus dedos infindos de
possibilidades.
Só o vazio. A longa espera
nas tardes monótonas.
Os santos sei que não
ouvem. Os bons oram para os santos!
Todos estão mortos.
HÁ QUE CHEGAR O FOGO
Vou para o mistério das auroras,
um detetive a desvendar enigmas
sobre imagens exaustivas de sonhos
cansados,
mas corajosos na jornada da vida.
Sonhos em pedaços, recompondo-se
atônitos,
nos rituais dos desesperos e das
ausências
implacáveis.
Vozes nada dizem dos pedaços que
derramam
ódios e mágoas. Sementes nesse chão
estéril
onde viver é ato de heresia.
Vejo, sob as cinzas, escombros
recicláveis
para o triunfo do fogo, para a
vermelha chama
tomar o lugar do
vazio.
Um comentário:
Jovina Souza
muito grato por compartilhar um pouco de si, que façamos um bom uso, ou simplesmente um deleite, ou até mesmo quem sabe, uma reflexão a partir de...
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