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6.10.20

porta poeta, na estante:

 



JOVINA SOUZA  é baiana e mora em Salvador Ba. É graduada em letras vernáculas/ a UFBA. Especialista em Estudos literários/UFBA e mestra em Teoria e Crítica da literatura e da cultura. Publicou o primeiro livro intitulado Agdá em 2012, o Caminho das estações/2018, O amor não está/2019.Em breve lançará seu quarto livro, O levante da Fênix. Tem participado de Feiras literárias e outros eventos de literatura. Seus poemas são estudados em universidades tanto no Brasil como nos EUA.

 


SOU MULHER PRETA

  O meu caminhar é de encontros com seres que odeiam seus traços herdados da minha face.

Com narcisos brancos e machos

e seus espelhos, trazendo sombras para minha janela.

 

Sou uma mulher preta nessas rotas de consciências racistas liquefeitas a parir humanidades esdrúxulas, disfarçadas lanças de mecenas,

ceifando crianças, mulheres e homens.

 

 Minha vida então se faz em crônicas de muitas lutas e de muitos sonhos.

 Vivo a esperança que abraça a luta.

Neste reino de realidades cruas

fico forte é no abraço das pretas irmãs de onde sigo para quebrar os espelhos dos narcisos,

resgatar conforto para o negro feminino e bálsamo para a escuridão.

 

 


PRESENÇAS NA MINHA LETRA.

  Carrego na pele essa negrura de milênios, Presente na escrita e nos sons do meu verbo. A ela, devoto a luta e o afeto, uma mistura do que em mim é carne e existência.

Sou mulher de pensar nas coisas para dizer o que está profundo,

o complexo que se faz simples para o engano insalubre.

Seguindo esse mastro me jogo no passado para devassar os artifícios secretos, cobrindo os códigos que me levantam.

 Trago ordem dos antigos para recolher os sentidos espalhados pelas violências e fazer o levante das suas semânticas.

São brotos que veio de África em diásporas, espalhou-se pelo mundo, alterando línguas crenças e costumes,

criando contextos históricos, luxos e deuses.

Parindo um firmamento de estrelas negras a cada vírgula,a cada palavra do meu texto, cuja aventura é buscar contornos de rostos,

jeitos de sorrir, as mãos que modelaram o belo. Ervas para alegrar, abrir os caminhos e curar. Nesse mosaico de belezas negadas, oprimidas, ainda procuro meu nome no tronco do Baobá.



PREPARANDO O VOO

Não me satisfaz o silêncio.

Interessa-me a palavra funda

no acolhimento dos vivos,

dos que ficam e lutam.

 

olhos estão atentos nos dias,

nos encontros da vida sem guia,

onde a valentia preta pode anular

a violência que nos impõe o cotidiano.

 

Não me apraz o medo nem a ironia

do clarão, cortando o que me liberta.

Desvio dos cortes e protejo meus olhos

da claridade que cega.

 

O que me seduz é abrir os caminhos

para a noite escura que me acolhe

na sabedoria de Nanã.

É lá que minha alma dorme feliz

e acorda

pássaros da manhã.

 

 

  

 

TODOS ESTÃO MORTOS

Não chamo os santos, não visito catedrais.

Trago a alma pagã para frear os divinos,

manter o céu para os justos. Não há tempo

para saber das almas. São dezenas separadas

dos seus corpos todos os dias.

Não ouvi seus versos ou histórias de paixão,

não sei quem amou nem como sonhou o paraíso

ou se lá descansam agora. Nada sei desses alhures.

Procuro desviar da morte, ir onde a vida é viço

e o colorido se levanta.

 

Anseio migrar das tardes monótonas e angustiadas

de melodias fúnebres.Fica-se contando o tempo

nos dedos. Antes de acabar a primeira mão

findam vidas, o horizonte e toda ordem crescente.

Essas tardes são longas.

É a ternura migrando dos corações para nunca mais.

Meus desesperos são as juras de amor que se revelam

no espelho dos cinismos, nas indiferenças aos vivos,

alegorias das verdades dos santos. Nada peço a eles.

 

Não há tempo para rezar sobre milhões de corpos

e o triunfo dos seus algozes.

Procuro quem tem carne sobre os ossos e vive

encantado pelo amor que é simpático ao sangue

vazando das nossas carnes.

Eu poeta me arrisco e vou ao encontro marcado

com as mãos negras, milhões delas fazendo vida!

E seus dedos infindos de possibilidades.

Só o vazio. A longa espera nas tardes monótonas.

Os santos sei que não ouvem. Os bons oram para os santos! 

 E os que dizem lutar só chegam tarde.

Todos estão mortos.

 

 

 

 

   

HÁ QUE CHEGAR O FOGO

Vou para o mistério das auroras,

um detetive a desvendar enigmas

sobre imagens exaustivas de sonhos

cansados,

mas corajosos na jornada da vida.

Sonhos em pedaços, recompondo-se

atônitos,

nos rituais dos desesperos e das ausências

implacáveis.

Vozes nada dizem dos pedaços que derramam

ódios e mágoas. Sementes nesse chão estéril

onde viver é ato de heresia.

Vejo, sob as cinzas, escombros recicláveis

para o triunfo do fogo, para a vermelha chama

tomar o lugar do vazio.

Um comentário:

Poeta de praça vazia disse...

Jovina Souza
muito grato por compartilhar um pouco de si, que façamos um bom uso, ou simplesmente um deleite, ou até mesmo quem sabe, uma reflexão a partir de...

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