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26.7.20

porta poeta, na estante:

JOBER PASCOAL SOUZA BRITO

 Mestre em Estudo de Linguagens pela UNEB/PPGEL, doutorando em Literatura e Cultura pela UFBA/PPGLITCULT, licenciado e bacharel em Letras Vernáculas pela UFBA, lançou recentemente, pela EDUNEB, o livro “Encruzilhadas no coração de Shirley”, como uma das dobras de sua dissertação de Mestrado. Encontra-se na expectativa do lançamento de seu segundo livro, Ossuário da Casa Adormecida, desta vez, de poesia, premiado pela Editora Editus através do Edital Sosígenes Costa. 


SALA DE EX-VOTOS

Passei a vida enxugando as lágrimas
Que não vazavam e entendendo que a vida
Era isso mesmo, um guardar de lágrimas.

Passei a vida toda levando a sério coisas tolas
Lendo os livros errados, escrevendo o precipício
E acreditando que Deus no céu e o Diabo na terra
E tudo afinal estava resolvido, desde o gênesis,
E que isso era a solução de minhas ardências
E então eu me enchia de rosários e preces,
E então eu me enchia de folhas e unguentos
E então eu me enchia de orgulho e pecado

Para que Deus me perdoasse, que me livrasse de mim,
Dos meus desejos inconfessos, da minha infâmia,
De minha culpa, minha tão grande culpa.

E agora, crescido, eu percebo que fiz errado a soma
Das contas do rosário. Que o pecado, que a luxúria,
Que a lascívia, que todo esse desejo apressado
É o melhor que guardo em mim.

Eu preciso aprender a ser mau em doses epilépticas,
Senão me crucifico de bondades numa árvore seca
Dessas em que colocaram lado a lado os dois ladrões.

Fui parido no jardim das inocências, me colocaram em berço
De ouro e me protegeram das garras dos bandidos da noite.
Agora eu berro por uma palavra de ingratidão, que me cuspam
Na cara e digam indecências. E blasfemem nesse amor que me
Deram como chaga cancerosa. E lastimem a minha presença.

É na falta pura do amor que sobressai a elegância dos maus.
É na escola do mundo ao avesso que se lhe rende alguma lição
De como se livrar dos assaltos, de como se limpar da solidão,
De como contar vantagens sobre todas as indecências. E a maior
De todas as indecências, morrer na lama como convém aos bêbados e poetas.



MEU CÃO ANDALUZ
Para os visitantes do Cine Astor

Um risco solto no abismo e uma
Rápida carícia a regalar os olhos.

(Ninguém nos vê. Todos atentos).

As mãos sujas, o ácido néctar.
As abelhas comem como aves.

O cheiro devindo, afogando o escuro.

As bocas usadas, línguas como mares:
Explodem legendas no cinema mudo.



AQUELE UM

Quando aquele bicho comeu
O último frasco das minhas vergonhas

Aquele bicho era um grande cofre
Dentro de minhas entranhas e eu
Não sabia muito de mim e me
Prestava a ser sem ser nada nem ninguém

Aquele bicho não era bicho: era uma coisa.
Aquela coisa me chamava pelo nome e
Eu lhe atendia feito um capacho.

Vestia suas roupas sujas.
Pendurava a velha cara na parede
E saía à rua sem nenhuma herança.

Aquele bicho, aquela coisa, eram apenas
Duas apagadas fotografias que deixei
Pregadas no espelho antigo da casa.
Quando abro a imagem ainda sinto
Aquele hálito de desejo me consumindo.



UM GRITO PERDIDO NO ESCURO

Escrevo porque não sei assobiar canção fina,
Dessa bonita, arriada, que passa ponte, passa
Riacho e encurva a beiragem rasante. Cantador
Nenhum alcança num martelo agalopado.

Escrevo porque aprendi a penhorar, em palavra
Dura, o gole seco: nós-de-arame, livros de poeira.

Escrevo porque minha casa só tem
Um vão, as paredes cruas de cimento.

A lasca do reboco, cavada em folha de flandres.
A talha, manchada de água verde e limo: o exílio
Antigo da primeira morada onde tudo buscamos,
Nunca sairemos: os mares já foram navegados.




EXÍLIO

Tudo é exílio na minha terra

A velha infância, imagem
Primeira de meninos brincando
No solar da casa velha.

E este mesmo exílio,
No risco de sombras
Perdidas, enfeitando
O ser pequeno entre
As grossas paredes.

Um corredor de silêncios
soando na velha mobília:

- A talha de barro represando
A água fria colhida na fonte.

- A cristaleira quieta, as
Taças de vidro e poeira,
Os goles secos de vinho.

Tudo é exílio na minha terra.

Dela me vou andrajoso como
Um cão mal coberto de peles,
Bramindo as lembranças tolas
Num mundo cheio de sombras.





8 comentários:

Poeta de praça vazia disse...

Jober é uma figura letrada, e antes disso poeta, a poesia é sua capa protetora, a guardiã de tua ingenuidade tão descuidada em tempos de faculdade, acredito que a poesia de Jober chega em nós pelo similar, pela narrativa de simplicidade ainda que pareça um punhado rebuscado. Não é simplesmente poemas para contemplação, é um poço de inquietudes. convites constatantes de quebra de paradigmas, e entregas de dogmas em bandeja não puritanas.Conheço a força da poesia de Jober no seu enfrentamento, seu embate, sua luta, seu engajamento. Obrigado Jober por se fazer presente.

Giba Melo disse...

A gente começa a ler mentalmente como se em tom normativo mas do meio pro fim parece que estamos gritando. Cara, isso e muito bom.

Poeta de praça vazia disse...

Giba melo, você será o próximo poeta nessa coleção " porta poeta" ...sera semanalmente...até breve.

Sandro Assis disse...

Show de bola, muito top mesmo!

Fausto disse...

Sobre a "Sala de Ex-votos":

Compreendi como se fosse necessário assumir nossa identidade completamente,nossas virtudes e defeitos - essa polidez excessiva nós tornariam artificiais.

Fausto disse...

Sobre "Meu Cão Andaluz":

É ágil, porém complexo - infelizmente não captei a essência.

Fausto disse...

Sobre "Aquele Um":

Gostei da conclusão. Dá um sentido vergonhosamente saudosista a tudo.

Unknown disse...

Sobre "Um Grito Perdido no Escuro":

Muito autêntico. Descreve limitação e potencial numa ótima métrica.

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