Kátia Borges é autora dos livros “De volta à caixa de abelhas” (As letras da Bahia, 2002), “Uma balada para Janis” (P55, 2009), “Ticket Zen” (Escrituras, 2010), “Escorpião Amarelo” (P55, 2012), “São Selvagem” (P55, 2014), “O exercício da distração” (Penalux, 2017) e “A teoria da felicidade” (Patuá, 2020). Tem poemas incluídos nas coletâneas “Roteiro da Poesia Brasileira, anos 2000” (Global, 2009), “Traversée d’Océans – Voix poétiques de Bretagne et de Bahia” (Éditions Lanore, 2012), “Autores Baianos, um Panorama” (P55, 2013) e na “Mini-Anthology of Brazilian Poetry” (Placitas: Malpais Rewiew, 2013).
O
gourmet momentâneo
Margaret
Atwood parece estar com frio
o
modo como aperta o casaco preto na parte da frente
Amo
seu nariz, seus pequenos olhos azuis
e
aquele poema sobre o coração arrancado do peito
que
lemos na aula de teoria da lírica
O
papel amassado
passando de mão em mão como se fosse o
órgão vivo.
A dor fantasma
Tenho as mãos vazias
e horizontes perdidos.
Meu coração vai
onde a vista não alcança.
Meu coração,
treze caravelas,
não descobriu
país algum.
Meus dedos festejam
um braço invisível
e dores fantasmas,
esse vício:
agarrar-se às coisas.
Sinto o vazio espalmado
contra o vento que me cobra
ser possível,
uma pilhéria
de que os livros não dão
conta.
Teu movimento
Antes que te chame
o pelotão de fuzilamento
repara o
pássaro
apara o dia.
Há um olhar
que se derrama
lento sobre a vigia
e graciosidade no andar
do carcereiro.
Antes, sim, que chamem
o teu nome, anota
num papel ou na parede
certo verso de cimento.
Na argamassa firme
teu movimento
Caixa
preta
Como
quem rasga o peito e não discute
suturas
para o peito aberto.
Pouco
importa andar com o coração à mostra
os
seios nus repartidos pelo esterno
fissura
entre as costelas – a dor das tais fissuras
–
que se tem quando se rasga o peito.
Pequena flor
Meu apartamento, no 12º andar,
fica tão perto da varanda
do vizinho do outro prédio
que, se esticar o braço com jeito,
conseguirei regar suas plantas.
Escrevo sobre mim, essa lonjura,
e sobre você, pequena flor,
na solidão do sábado.
A vida é esse verde entre nós.
Talvez biólogos nos expliquem
a fluidez do amor, a essa altura.
Serei melhor se lançar água
e, dessa distância que penso segura,
salvar
uma begônia.