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10.12.20

porta poeta, na estante:



Alex Simões é poeta e performer.  Em dezembro lançou  “no meu corpo o canto: #experimentoscomletrasurbanas”, livro de artista em coautoria com o Coletivo Tanto Criações Compartilhadas. Tem um blog: toobitornottoobit.blogspot.com.



verbi gratia

 

dinheiro não traz
felicidade mas
felicidade pode
tudo até
vir num email
matutino
fortuito
se o destinatário
souber vasculhar
a caixa
posta restante
e sorrir
de graça
sem ser
gratuito.


 

dor e memória 

dor é memória
distensão dos assombros
fisgada de perdas
pontada de abandonos
silenciamento reflexo
condicionando os desconfortos.
única lembrança
remota ou recente
que nem o Alzheimer
há de apagar.
até que a própria dor
cesse quem a sente e,
com sorte,
fique só a memória.


 

a velha bailarina 

 

I

como era muito alongada,

nunca lhe cansava 

a beleza.

 

II

 

enquanto o mundo envelhece,

ela se aquece.

 

III

 

é tão generosa que conta

o segredo da juventude:

"1, 2, 3 4, 5, 6, 7, 8."

 

IV

 

seu corpo faz menos;

com tudo, diz mais.

 

V

 

inspira,

expira,

de novo...

 

 

VI

 

para não ter saudades,

comprou para o quarto

uma cortina com black out.

 

VII

 

sua vida é um baile

da terceira idade.

 

VIII

 

"supino?"

"não, eu disse 'sou Pina.'"

 

IX

 

não existe bailarina velha,

nem velha bailarina.

 

 

X

 

calça o tênis para caminhar

como se fossem sapatilhas.

 

XI

uma fralda geriátrica
não é nada diante de
uma vida inteira de maiô

XII

dentro da voz de Marina

habita uma velha bailarina.

XIV

"velha é o caralho",
pensou durante a homenagem,
mas só disse "muito obrigada".

 

XV

 

agora, sim,

sabe tudo de cor

                            e

                                  o

                                       grafia

 


 

haikai 




eu subo até lá em cima

eu perco até o poema

mas não perco a rima

4.12.20

34

 


quão prazeroso é constatar que a filosofia
ganhou laringe; que a ciência escancarou mais uma boca; que a religião deformou
dois olhos
na mesma dimensão
de suas paredes.


a poesia permanece
inativa por longo período
e, volta e meia, é expelida
pra fora de uma garganta.


as ideias e as palavras dão piruetas
ao ar livre, no céu.
comemoram a perda de um ouvido,
a queda das unhas, o inchaço da pança.
os dentes, incrivelmente, não atrapalham
saídas sintáticas, propagandas semânticas.
os sussurros aproveitam
conquistas carnívoras. cai o véu
de um casal
desobstruindo o caminho de um artigo
e um adjetivo
antes do beijo.


a arte, acomodada, nunca deixa de engatilhar
uma vanguarda, enquanto o corpo segue
perdendo pelos.
a arte promete quando empaca:
só darei outro passo largo
se o corpo juntamente aceitar
que também já não é mais o mesmo.


( adão cunha )

26.11.20

porta poeta, na estante:


 Kátia Borges é autora dos livros “De volta à caixa de abelhas” (As letras da Bahia, 2002), “Uma balada para Janis” (P55, 2009), “Ticket Zen” (Escrituras, 2010), “Escorpião Amarelo” (P55, 2012), “São Selvagem” (P55, 2014), “O exercício da distração” (Penalux, 2017) e “A teoria da felicidade” (Patuá, 2020). Tem poemas incluídos nas coletâneas “Roteiro da Poesia Brasileira, anos 2000” (Global, 2009), “Traversée d’Océans – Voix poétiques de Bretagne et de Bahia” (Éditions Lanore, 2012), “Autores Baianos, um Panorama” (P55, 2013) e na “Mini-Anthology of Brazilian Poetry” (Placitas: Malpais Rewiew, 2013).


O gourmet momentâneo


Margaret Atwood parece estar com frio

o modo como aperta o casaco preto na parte da frente

Amo seu nariz, seus pequenos olhos azuis

e aquele poema sobre o coração arrancado do peito

que lemos na aula de teoria da lírica

O papel amassado

passando de mão em mão como se fosse o órgão vivo.

 

 

 

 

 

 

A dor fantasma

  Tenho as mãos vazias

e horizontes perdidos.

Meu coração vai

onde a vista não alcança.

 

Meu coração,

treze caravelas,

não descobriu

país algum.

 

Meus dedos festejam

um braço invisível

e dores fantasmas,

esse vício:

agarrar-se às coisas.

 

Sinto o vazio espalmado

contra o vento que me cobra

ser possível,

uma pilhéria

de que os livros não dão conta.

 

 

 

Teu movimento

  Antes que te chame

o pelotão de fuzilamento
repara o pássaro
apara o dia.


Há um olhar que se derrama
lento sobre a vigia
e graciosidade no andar
do carcereiro.

Antes, sim, que chamem
o teu nome, anota
num papel ou na parede
certo verso de cimento.

Na argamassa firme

teu movimento

 

  

 

Caixa preta

  

Como quem rasga o peito e não discute

suturas para o peito aberto.

 

Pouco importa andar com o coração à mostra

os seios nus repartidos pelo esterno

 

fissura entre as costelas – a dor das tais fissuras

– que se tem quando se rasga o peito.

 

 

 

  

Pequena flor

  Meu apartamento, no 12º andar,

fica tão perto da varanda

do vizinho do outro prédio

que, se esticar o braço com jeito,

conseguirei regar suas plantas.

 

Escrevo sobre mim, essa lonjura,

e sobre você, pequena flor,

na solidão do sábado.

 

A vida é esse verde entre nós.

 

Talvez biólogos nos expliquem

a fluidez do amor, a essa altura.

Serei melhor se lançar água

e, dessa distância que penso segura,

salvar uma begônia.

22.11.20

Elis Lis


 mais uma metamorfose 


Um salto 
Salto quântico,
Um milagre, saltando da cama
Seus gestos
Cheios de amparos
Por quem te ama.
Seus passos 
Seguidos de muito amor.


Tu é muito fofa menina
Nós gostamos de você


Paira divindade sobre você
Tua forma de chegar
Foi iluminado
Você chegou iluminando


As vezes sinto
Que tua intensidade
Já cumpriu tua sina
E no mais
É só destino.


Jeová,
E todos os orixás,
E todos os quantum de energia
Lhe proteja


Carlos Arouca

19.11.20

acordei cedo

 

Acordei muito cedo
Não é costumeiro
Os pássaros acordam cedo
Depois do galo
O silêncio aqui é amigo
Meu olhar pra dentro
Essa metafísica
Auto necessária
Me encobre de penar
Já não era medo
Só que o amanhecer
Sempre traz uma esperança
Na aurora, no porvir
Sou retirante
Sou Severino
Nunca severo,
não quero me ver assim
Sou cheio de revertero
Acordei cedo
Dorme no lar uma família
Sou retirante
E também sou pai.

16.11.20

porta poeta, na estante:

 


Emerson Bulcão, escreveu seu primeiro poema após uma oficina de poesia no colégio em 2004, quando fez 18 anos sua família disse que já estava na hora de trabalhar, então mudou o turno de estudo para a noite, e começou a trabalhar pelo dia, perdeu o contato com os oficineiros, e por um bom tempo ficou sem escrever. em 2010 conheceu alguns remanescentes dos poetas da praça, e voltou a escrever. 2012 abandonou o emprego e foi viver de fazer poesia no buzú, o que faz até hoje. distribuiu 5000 livretos de poesia autoral, se prepara pra lançar seu primeiro livro em 2021.



Nada mais é coerente

 

Nada mais é coerente

Se te amar maltrata a gente é melhor

Deixa para lá.

 

Século XXI é loucura

Quem ama se machuca,

Melhor esvaziar

Esse coração

Esquece a palavra amar.

 

Porém te amar é uma coisa

Louca,

Você entende as palavras

Que sai de minha boca,

Que coisa difícil

De explicar.

 

E eu estou tão apaixonado,

Quero você do melhor lado

Até a morte separar,

 

Trocaria a tinta da caneta

Até os CDs de Raul Seixas

Pra com você ficar,

Mas não adianta fazer promessa

Só amizade é que interessa

 

Coisa difícil de justificar

Pois quando olho pra você

Sinto nossos corações vibrarem

Vejo seus olhos brilharem.

 

É tudo difícil

Tanto do meu

Quanto do seu lado.

 

Meu amor já declarado

E o seu esperançoso,

Como se falasse:

Pode esperar.

 

E penso: Esperar o que?

Outro aparecer e fazer-nos

Intrigar,

Gostaria de pensar positivo,

Mas, vivermos como

Amigo não vai rolar,



Lavar indomada

 

Lavar indomada

No meu coração

Petrificada

Não posso fazer

Mais nada

Só deixar rolar

Essa larva que

Fez meu mundo parar.



Horizonte

 

Abra a sua mente,

O horizonte é mais

A frente,

Não se deixe levar

Por nenhum blablabla,

Leia a tese e a antítese,

E tire sua síntese,

Pois estamos no

Patamar,

Se brigamos é porque

Queremos, e devemos

Brigar, por um mundo

Mais humano, menos

Insano e quem sabe

Mais romântico,

Deus se alegrará

Conosco,

Não somos apenas

Feito de carne e osso

Temos um sopro

Divino que nos faz

Vivo, para combater

O mal usando

Bondade,

Abra a sua mente,

O horizonte é mais a frente.



     

Reflexo

 

Sou o reflexo

Do mundo.

Em uma só

Alegria, que vê

Que cria,

Que teima

Irrita

Incendeia

Complexa nostalgia

Em declarações

Loucas,

Lindas para viver

Declarações para saber,

Para aprender,

Para fazer valer.




Vida atrevida

 

Vou levando essa vida

Chamada de atrevida

Mas com amor no coração,

 

Vou, sem ermo e sem lamento

Enfrentando o sofrimento

Desse mundo cão,

 

O universo às vezes

Tento entender,

Vida atrevida

Esse é meu jeito de ser,

 

Tento acordar

Pois parece irreal

Tanta coisa estranha

Homem causa próprio

Mau.

 

Mas mesmo assim

Por incrível

Que pareça

Levanto a cabaça

Continuo

Sigo em frente

 

Fazendo diferente

Sorrindo e contente

Amando da gente

Assim hoje quem sabe

Até amanha

porta poeta, na estante:

 


Armando Liguori Junior, paulistano da Mooca, redator, roteirista e ator. Três livros publicados, sendo o mais recente: A POESIA ESTÁ EM TUDO – Editora PATUÁ 2020. Mantém um canal de leituras literárias no youtube canal armando liguori.

 

 

Assim como os deuses

 

Os dias

Assim como os deuses

Se repetem

 

Quantas vezes

O mundo vai acabar

Hoje?

 

Tenho escrito um poema por dia

Mesmo sem você.

 

Às vezes sinto nossa

Ausência.

 

Só às vezes

 

Nada é o que era

Nem como foi

 

Bem que me avisaram:

Não é aconselhável

Aceitar grades

 

Algumas pessoas

Vêm sem aviso

E assim partem

 

Também como os deuses

 

Hoje não me sinto inteiro

Outra vez

 

OLHAR

 

Olhar é sempre

De onde se está

 

Olhar é sempre

De quem se é

 

Olhar é sempre único

Particular olhar

 

Quem olha o mundo

Olha do seu mundo

Do seu olho

 

Olhar é ponto

De partida

E de chegada

 

Todo o que olha

Pode ser olhado

De volta

E mesmo assim

Não ser visto

 

Nem sempre

A vista alcança

O que se olha

Às vezes

É grande a distância

 

Aí, o olhar molha

Mas não sempre

 

DIA DAS CRIANÇAS

 

Nasci velho

 

Não usado

Pelo menos, ainda não

Só velho

 

Não velho de sábio

Velho de antigo mesmo

 

O corpo era de infância

Já a cabeça...

Não tinha a mesma substância

 

Cresci velho

Envelheço velho.

 

Ainda

Assim feliz dia

Das crianças

Pra mim

 

ARROZ À GREGA

Enquanto saboreia seu arroz à grega

(que de grego não tem nada)

Pensa em sua própria tragédia

(que de grega tem quase tudo)

Grudada na sola do sapato

Chiclete mastigado e cuspido

Por um deus estupido e ressentido.

 

DESSERVIÇO

 

Algumas

Coisas

Servem

 

Outras

Não

Servem

Para

Coisa

Alguma

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